Territorialização, desterritorialização e reterritorialização: entre redes e os aglomerados de exclusáo

31/03/2018 23:21

  • Desterritorialização: entre as redes e os aglomerados de exclusão. HAESBART, Rogério. Obs. Seu sobrenome é da Costa

Resumo (por Abel Edson Miguel).

O texto a aborda a alucinante transformação da paisagem através das redes de exploração da chamada globalização, que é beneficiada pelos avanços da tecnologia, e a massa de excluídos que não tem acesso ao sistema. Em suma, a texto trata aborda como os grupos humanos se apropriam do espaço (territorialização), como as tecnologias desestruturam essa posse do território (desterritorialização) e como redes de exploração se apropriam desses espaços (reterritorialização), e como esse processo gera uma massa de despossuídos. Esses últimos lutam por uma neoterritorialização e reenraizamento (reconstrução) de suas identidades.  Esse processo é um dos resultados da falta de comando político e ideológico que havia no mundo bipolar, pois hoje as políticas e as ideologias são de âmbito global.

Atentar para o fato que o texto foi escrito no início dos anos 90, por isso ele reporta a um mundo de unipolaridade militar, política e ideológica, o que de certa forma não se aplica ipsis litteris no mundo contemporâneo, pois embora o capitalismo tenha triunfado, o domínio militar dos EUA não é o mesmo, e a tripolaridade dos centros capitalistas tenha novos companheiros. No entanto, o vazio ideológico e cultural continua presente.

A crítica sobre o atual modelo de exploração assentado nas novas tecnologias e na velocidade dos meios de transportes é a flexibilidade da exploração capitalista, pois ao desterritorializar-se promove acesso desigual as tecnologias e informação provoca exclusão e fragmentação da força de trabalho (desemprego, terceirização, trabalho temporário ou intermitente).

Esse novo cenário de desterritorialização não se restringe fim das distâncias e eliminação das fronteiras, mas a geração de um novo conceito de espaço. Segundo LEFÉBREVE, o espaço nesse novo cenário é fechado, esterilizado e esvaziado, e HARVEY, o espaço reflete como os grupos dominam e apropriam dele legal ou ilegalmente para obter maior controle. 

A desterritorialização possui dois sentidos, uma política (concreta) e outra cultural (simbólica). Nem toda fronteira (política e territorial) coincide com a fronteira cultural ou simbólica, embora os EUA tenham consigo alcançar esse êxito.

Nesse novo cenário, a produção do espaço sempre necessita de uma desterritorialização e uma re-territorialização numa sucessão de morte e vida dos territórios, ou seja, territorialização (enraizamento), desterritorialização (aglomerados de exclusão), e re-territorialização.

Perspectiva diacrônica da desterritorialização. Antes de analisar a atual desterritorialização é necessário analisar esta ao longo da história. RAFFESTIN propõe uma análise em com base em três tipos de civilizações em função das invariantes territoriais (malhas, redes e nós). As civilizações tradicionais são subdivididas em predadoras, nômades e seminômades que privilegia as malhas (espaços percorridos de uma reserva de coleta a outra); e tradicionais produtoras que após sedentarizarem passaram a estocar alimentos (aparecem os nós nas cidades primitivas). As civilizações tradicionalistas e racionalistas com cidades que se tornam hegemônicas sobre o território (conflitando com as malhas rurais) e as civilizações racionais que privilegia as redes de comunicações e informações. O acesso ou não dessas últimas que comandam os processos de territorialização e desterritorialização.

Ainda segundo RAFFESTIN, a desterritorialização é uma crise de limites ou relações no interior dos territórios que inscreve a T-D-R no ciclo da informação com suas três fases: inovação, difusão e obsolescência (IDO). Sendo que o sucesso da inovação gera a desterritorialização que leva a difusão e a reterritorialização, uma nova territorialidade com um novo conjunto de relações que perdura até uma nova inovação e reterritorialização. Assim, a territorialidade é um processo decorrente da convergência e interação entre os processos territorial-espacial (T-D-R) e informacional (IDO). Esse processo território-rede acaba direcionando fluxos ou definindo escalas de ação entre redes que podem ultrapassar as fronteiras territoriais.

LEVY por sua vez, propõe o surgimento de uma sociedade mundo a partir da análise do espaço. Neste há síntese de três modelos de sociedade-mundo: dominação geopolítica, economia-mundo e distância cultural. Ele idêntica quatro padrões: o mundo como um conjunto de mundos (áreas culturais religiosas e linguísticas que dão identidades); mundo como campo de forças (modelo geopolítico que visa a existência e a integralidade dos territorial dos Estados); o mundo como rede hierarquizada (economia-mundo nos processos de exploração, abandono e integração cujo objetivo não ocupar áreas, mas ativar  pontos e linhas ou criar novos - desterritorialização é fundamental para entendê-lo) que combina os dois modelos anteriores; e mundo como sociedade que integra os três modelos anteriores (comunidade cultural, identidade política e integração econômica em escala mundial). LEVY acredita que uma cultura unificada, um Estado mundial e uma sociedade mundo vá se concretizar. Pois ele pensa no processo evolutivo da sociedade e da história num desterritorialização que levaria o mundo numa rede inexorável. O autor contrapõe a noção de território (ocupação do espaço estático) e rede (abertura e relação entre espaços através das redes com seus pontos e linhas).

Sobre o assunto há ainda LATOUR que não reduz território a local e nem redes ao global, esse autor defende a existência de redes técnicas que são jogadas sobre os espaços e conectam as linhas e não as superfícies. BERQUE distingue espaço linear que se organiza por pontos de referência e ligação entre estes (circulação extrínseca) e espaço areolar que organiza cada lugar no seu contexto (habitação intrínseca).

HAESBAERT defini modernidade a partir dos processos de territorialização e desterritorialização. Ele discorda do conceito de desterritorialização ancorado apenas no viés econômico (internacionalização e desterritorialização com o enfraquecimento da economia local). Associar territorialização as dimensões política e cultural, e desterritorialização econômica é uma questão do que se quer priorizar (essas esferas não se separam), embora a territorialização seja enraizadora (promove coesão) e esteja ligada ás iniciativas político-cultural de apropriação e domínio e a desterritorialização ligada ao capital sem pátria. Com isso vê-se a ligação do processo desterritorializador com as inovações tecnológicas (3º Rev. Ind.) que permitiram a flexibilização da produção, agilização dos ciclos de produtos, ampliar os serviços (comunicação e turismo) e agilizar a circulação do capital financeiro. Com isso alguns tendem associar globalização a desterritorialização, já que esta tende em desenraizar as coisas, ideias e gentes, onde as relações sociais são deslocadas dos territórios de interação para extensões indefinidas no espaço-tempo que são controlados e viabilizadas pelas técnicas. 

Os produtos também se desenraizam numa administração globalizada (fragmentação do espaço e da força do trabalho) e contribui para uma cultura internacional popular já que as referências culturais (modos de vida ou valores e cultura) também se desenraizam. A cultura embora também se reterritorializa nesse processo a partir de grupos que culturais que resistem a cultura sem sentido da mercantilização e do consumismo. 

Redes e territorialização 

As redes (razão instrumental) por um lado estimulam os fluxos e promovem a desterritorialização sobretudo do capital internacional, mas por outro (redes solidárias ou comunicativas) acabam se integrando num processo reterritorializante. Por isso, um caráter da modernidade seja a de inovação e mutação. Assim, o mito do progresso e da revolução evidencia a desterritorialização com o domínio da natureza pelo avanço da técnica numa destruição do passado rumo a sociedade ideal (onde todos os conflitos se resolvem). As tecnologias ágeis destroem as fronteiras e a estabilidade em nome da simultaneidade. Esta só é possível num processo de redes mundiais (extraterritorial) instantaneamente ativadas que dominam o espaço.

Essa desterritorialização pode ser tanto simbólica (destruição das identidades) quanto concreta (fronteiras econômicas e políticas), bem como em diversas escalas temporais (curta, média ou longa duração) ou espaciais (local, regional, nacional ou mundial).

Há também diferentes intensidades de desterritorialização, pois algumas redes dependem vetores de conexão (pontos) e outras de dutos materiais (cabos por exemplo).

DEMATTEIS define a cidade como um conjunto de nós pertencentes a diferentes redes. Sujeitos físicos coexistentes que pertencem a redes diferentes e que podem divergir dependendo da escala, sendo que a cidade seria sede de diferentes nós. Assim, o próximo nem sempre é o mais semelhante e de maior impacto, mas algumas abordagens tradicionais ainda são válidas (as cidades são locais de mercado, trabalho e habitação), mas os nós são apenas unidades físicas espaciais. Eles são as unidades físicas da rede, e por isso a complexidade das cidades são decorrentes dos nós que elas possuem e das combinações das redes que a perpassam.

As redes mais desterritorializam quando elas: tudo classifica e quantifica (lógica do mercado); possuem técnicas-informacionais e imateriais que permitem a circulação da informação e a superação das distâncias e contato direto nas relações sociais; são mais globais e hierárquicas e impõem a interdependência planetária; ilegais e clandestinas e dificulta o controle político (acentua a insegurança e a violência). Essas últimas são produtos e produtoras da desterritorialização (redes de drogas que se associam a paraísos financeiros; redes de crime organizado nos países com legislação e fiscalização deficientes; redes de tráfico humano). O enfraquecimento do Estado faz com muitas dessas redes ilegais promovam reterritorializações próprias (narcotráfico que substitui o Estado nas favelas, mas acabam alimentando a insegurança, a violência e os aglomerados de exclusão).

Desterritorialização e aglomerados de exclusão. 

Aglomerados pode ser tanto agrupamentos quanto reunião. Aglomerado humano de exclusão se associa ao não regulado/ordenado onde a imprevisibilidade é uma condição essencial. Esse aglomerado (categoria social) são grupos (massa) excluídos socialmente do circuito capitalista explorador típico da desterritorialização promovida pelas redes de classes sociais hegemônicas. Esse processo consiste na associação entre aglomerados, redes e territórios. Essa massa não é de trabalhadores ou camponeses, mas de excluídos do sistema capitalista. Aglomerado é um espaço excluído e amorfo porque nele cruzam muitas redes e territórios que não permitem definições e identidades (vazio, de sentido), mas especificá-lo segundo BAUDREILLARD é procurar sentido no que não o tem. A verdade que especificar os aglomerados é muito difícil, e a influência deste se dá no caos, na desorganização, inércia e desestruturação, enquanto as redes se definem ordenamento que impõem a desordem quando os territórios possuem ritmos distintos. Os aglomerados que mais comuns são aqueles que resultam de uma malha de múltiplos territórios e redes que se sobrepõem num emaranhado de disputas territoriais. 

Em algumas situações a reterritorialização marginal se impõe de tal forma que os aglomerados urbanos se conformam como nítidos territórios onde impera a insegurança e desterritorialização (favelas cariocas). 

Com relação a grande massa dos aglomerados vê-se que o capital está deixando de explorar o trabalho, sendo que depois de lutar contra a exploração capitalista, os trabalhadores estão deparando com algo pior, a falta de exploração que sofrem os desempregados. Na atual conjuntura, quando uma empresa vence num lugar, ela pode estar condenando a desativação da economia de um território inteiro em outro continente, pois desativa as antigas vantagens (mão de obra barata abundante e recursos naturais) e a população (quando estas não se encaixam no sistema capitalista) passa viver num leprosário social e depender do auxílio de organizações internacionais como ocorre em muitos lugares da África Negra. Isso chega a ponto de alguns acreditarem num agravamento dos conflitos a ponto de retornarmos à barbárie. Talvez não cheguemos a barbárie, mas os aglomerados de abandonados pelo sistema capitalista (muitos vivendo em campos de refugiados) tem fugido do caos econômico e migrado para alguns centros de economia dinâmica o que tem provocado um aumento do controle das fronteiras e a difusão de sentimentos xenófobos e neonacionalistas. Acrescentam a estes aos refugiados o aumento do número de sem tetos que enquadram num aglomerado flutuante que passam a viver nos dutos das redes legais (tubulação de esgoto e galerias pluviais). Essa massa que vive em condições de extrema pobreza e desintegração social pode vir a formar uma classe de massa de desclassificados (como trabalhadores e consumidores) e desgovernados e vulnerável às ideologias e movimentos reacionários. Esses só preocupam o sistema porque não param de reproduzir biologicamente o que pode afetar a saúde do planeta.

Em suma, os aglomerados de exclusão são os desterritorializados ao extremo, marcados pela instabilidade, insegurança, violência e mobilidade destruidora de identidades. Esse processo de exclusão de uma massa de anônimos sem autonomia e que tem suas identidades anuladas. Por isso neles pode ser gerado territorialismos que sobrevaloriza o território de pertencimento a ponto de excluir todo estrangeiro, fazendo uso do terrorismo numa associação com uma visão animal do território. Esses territorialismos são frutos da exclusão econômica e cultural (vazio de sentido) que pode fomentar o aparecimento de fundamentalistas num processo onde a desterritorialização pode se deparar com dogmas mais fechados nos territórios clausuras (xiitas no Irã) 

 Na África os aglomerados nas suas novas territorializações instáveis promovem ordem e desordem nas disputas pelo poder e territórios, onde os antigos territórios fechados transformam em territórios caóticos diante da não inserção nos territórios rede. 

Há lugares onde o sistema socialista se desintegrou ocorre a reterritorialização de grupos religiosos integralistas que expulsam aqueles que não se identificam com o sistema e que passam a formar um novo aglomerado.

Por último, há de se distinguir os aglomerados de acordo com o nível de desterritorialização e seu caráter conjuntural ou estrutural; os grupos sociais, culturais e os contextos nos quais emergem; suas formas de articulações com territórios, redes e escalas que ocorrem. Há três grupos ou tipos de aglomerados: os radicais que são extremamente precários e instáveis que se formam nos acampamentos de refugiados e deslocados cuja sobrevivência depende do assistencialismo internacional cujo o objetivo é a sobrevivência biológica cotidiana; os tradicionais em situação endêmica de exclusão social e fome que vivem em áreas ecologicamente frágeis ou isoladas (muitas vezes mantém laços de identidades como o território); e os aglomerados transitórios o conjunturais que são atravessados por múltiplas redes e territórios que se recompõe constantemente seu espaço com reinserção dos seus membros numa ordem pela violência e pelo medo (as vezes de caráter ilegal e clandestino). Há ainda de diferenciar os aglomerados atomizados (pequenos grupos) e aglomerados de massa como os grupos de refugiados.

Os aglomerados de exclusão nos faz questionar e complexificar a relação de rede e território, pois tão importantes quantos a análise dos territórios e redes, é analisar os desordenados sem lógica que são produtos da exclusão econômica, política e cultual do mundo contemporâneo. 

   

Referencia.

HAESBAERT, R. Desterritorialização: entre as redes e os aglomerados de exclusão Geografia: conceitos e temas.


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