Laranja Mecânica e o livre arbítrio

28/04/2015 09:36

O filme “Laranja Mecânica” (Clockwork Orange) de 1971 é uma adaptação do romance Anthony Burgess de 1962. Produzido e dirigido por Stanley Kubrick. O longa de 136 minutos é uma ficção científica que aborda a delinquência juvenil para tratar da maldade num mundo futurista.

O protagonista principal é Alex DeLarge, vivenciado pelo ator Malcolm Macdowell, um jovem que gosta de música clássica e que lidera uma gangue ultraviolenta (incluindo espancamentos e estupros).

Dentre as questões filosóficas que podem ser extraídas do filme está a do livre arbítrio. O filme questiona a origem da maldade ou a violência extrema e tenta demonstrar que esta é uma decisão livre, para isso chega a mostrar o ambiente familiar do jovem que parece ser favorável à formação de uma pessoa moralmente boa, no entanto, o comportamento de Alex não condiz com aquilo que vive em casa.

Para corrigir a aberração comportamental do Alex DeLarge, o jovem sóciopata é submetido a um método cuja finalidade é erradicar suas ações más através de um condicionamento do comportamento. O método consiste em tornar o rapaz incapaz de cometer maldade quando este decide cometê-las.

O problema do filme é que parece concentrar em duas premissas: que a maldade é uma ação livre e que os métodos condicionantes para que uma pessoa deixe de praticar a maldade fere seu livre arbítrio e não resolve o problema, pois a coibição da ação má e não o desejo de cometê-la continua fazendo uma pessoa moralmente má.

A questão é, após ser submetido ao tratamento condicionante, à decisão do Alex é livre? Sim, sua decisão parece livre, mas o ato de cometê-las não, pois sua ação só se concretiza quando esta é direcionada para o bem, quando tenta cometer alguma ação má ele é incapaz de executá-las, ou seja, à ação livre decorrente de uma vontade livre não se concretiza na sua plenitude. Dessa forma, não é o livre arbítrio na sua totalidade que está em jogo, pois o impedimento de uma ação desejada a partir de um mecanismo condicionado não sustenta a tese que não a pessoa não tenha livre arbítrio. Embora seja um romance, era impossível em 1962 Anthony Burgess ter acesso às informações que temos hoje no que diz respeito à neurociência, esta diz que nossas ações são pré-condicionadas por nossos cérebros.

A segunda tese questionável do filme é o argumento de que condicionamentos para controlar as ações más não erradica o mal nas pessoas, ou seja, o fato da pessoa não praticar o mal não a torna uma pessoa moralmente boa, poiso desejo continua. O capelão apelando para questões religiosas alega que o método é falho por não eliminar também o desejo. Em outras palavras, o capelão prefere que as pessoas continuem praticando mal em nome de uma utopia. Quem garante que nossas ações não são condicionadas como mostra os estudos preliminares da neurociência? Nossas ações mais banais não são resultados de anos de condicionamentos desenvolvidos no seio familiar, escolar, religioso e social? O uso de determinado tipo de vestimenta ou comportamento não foram condicionados?

O filme procura desqualificar o tratamento em nome do livre arbítrio e do resultado final ao deslocar a ênfase para a radicalidade do tratamento condicionante (se o Alex fosse preso por um longo período seria submetido também um condicionamento para que voltasse praticar o mal) e sua eficácia final. Em minha opinião o problema não está no uso de métodos para combater as ações más, mas nas pessoas que continuaram más e se aproveitaram daquele que deixou de ser mau. O suicídio no final não é resultado do tratamento, mas da exploração a qual Alex é submetido.

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