A FINALIDADE DA RAZÃO

22/03/2010 13:02

 

        É a razão que dá unidade aos diversos conhecimentos particulares do entendimento. Assim, para que haja conhecimento, é necessário haver um sistema de unidade que articule os conhecimentos particulares, e quem dá essa unidade aos conhecimentos é a razão. Mas a razão só pode pensar esse sistema de unidade caso dê a sua idéia um objeto, e esse (objeto) não pode ser dado por nenhuma experiência sensível.

        Para que a razão dê essa unidade sistemática aos conhecimentos particulares, ela precisa então de um objeto que não é dado por nenhuma experiência sensível. Sabemos que toda inferência que vai além, que ultrapassa os limites da experiência, é infundada e leva a uma ilusão. Kant diz que somente a aplicação do conceito aos fenômenos serve para gerar conhecimento. A ilusão acontece justamente quando a razão necessita de um objeto para a idéia de sistema, ou seja, quando precisa tomar o subjetivo como objeto. No entanto, o filósofo alemão afirma que essa ilusão “dificilmente é evitável" (b305), já que para haver conhecimento (derivado do conceito mais intuição) é necessário haver essa articulação entre razão e entendimento, uma articulação que una os diversos conhecimentos (sensibilidade) particulares do entendimento, e esta só possível a partir de um objeto transcendental.

        Nesse processo de articulação entre razão e entendimento, de tomar o subjetivo como objetivo é que acaba gerando uma ilusão lógica. Essa ilusão acontece toda vez que o entendimento é utilizado para além do conhecimento sensitivo (uso/abuso do conhecimento transcendental, crer conhecer quando pensa). Apesar disso há um pensar puro com significação existente na ilusão transcendental, uma significação que não é objetiva (b353/354). Esse pensar puro jamais congratula a experiência, ou seja, ele não é derivado da experiência, mas do entendimento, e é esse que dá unidade aos conhecimentos particulares.

        Esse objeto necessário para dar unidade do sistema não pode ser dado por nenhuma experiência, pois a sensibilidade não fornece uma unidade perfeita de um sistema. A dialética crítica, essa ilusão gerada pelo fato do objeto não congratular com a experiência, mas previne a ilusão para nos prevenir do erro, pois ela é necessária. Kant mostra a origem, a motivação dessa ilusão, diz que essa é racional, pois a razão é um sistema totalizante (o organismo é totalizante), ou seja, essa ilusão é natural da razão.

        Esse viés totalizante da razão é legitimado na Crítica da Razão Pura. Kant nos adverte que a exigência do sistema não corresponde a nenhum objeto existente, mas somente à razão.

        Mesmo ciente da ilusão, esta não cessa, pois ela é gerada no seio da própria razão, e é o uso da linguagem que a produz. A analítica transcendental afirma que essa ilusão é importante para entender a natureza.

        Como visto, a razão é indispensável para conhecer os objetos, pois ela fornece uma unidade sistemática. Essa unidade em si mesma não é inerente às coisas, ou seja, esse sistema não tem valor objetivo, ele possui apenas um valor hipotético.

        A unidade lógica do conhecimento é de interesse da razão, que por sua vez é transcendental, já que ultrapassa os limites da experiência possível. A razão transcendental segundo Kant é "todo conhecimento que em geral se ocupa não tanto com os objetos, mas com o nosso modo de conhecer objetos na medida em que este deve ser possível a priori" (KrV, b25).

        As idéias transcendentais só podem ter uma aplicação transcendental, pois em si mesmas não podem ser transcendentes, somente o seu uso pode ser orientado aos objetos correspondentes a ela ou ao entendimento destes. Mas como visto acima, quando essas idéias são tomadas como conceitos inerentes a coisas reais, se tornam enganosas.

        Dessa forma, a razão não se refere diretamente ao objeto, mas apenas ao entendimento e através deste ao seu uso empírico. Por isso a razão não produz conceitos (de objetos), mas ordena-os e dá-lhes unidade que podem ter sua máxima extensão possível (com referências à totalidade de séries com as quais se conectam e produz conceitos). A razão reúne o múltiplo de conceitos mediante idéias ao colocar a idéias coletivas como ação do entendimento.

        Por não gerar conceitos, as idéias transcendentais não passam de conceitos racionalizantes (dialéticos). Possuem apenas um uso regulativo e necessário que consiste em dirigir o entendimento ao um objetivo e dar unidade aos conceitos ao lado da máxima extensão. Essa ilusão é necessária para excitar o entendimento daquilo que está além da experiência possível, ou a extrema e máxima ampliação possível.

        De acordo com Kant, eu posso conhecer as coisas através do conceito desde que este se objetive nas sensações. No entanto, para haver conhecimento é necessário exista um sistema de unidade, que por sua vez necessita que a razão dê à idéia um objeto, e este não pode ser fornecido pela experiência sensível, ou seja, o autor está se referindo a um noumenon. Ao contrário do fenômeno, que não é objeto da razão, mas a coisa em si a qual se aplicam os conceitos, o noumenom é um entendimento puro, sem uso da intuição sensitiva. Portanto, a objeto da idéia, o objeto que dá unidade ao conhecimento, é um noumenon, um objeto do pensamento puro, um ente do pensamento, que é diferente das coisas em si. Um pensamento pelo qual o entendimento vira objeto de conhecimento, que é uma idéia da razão.  Cabe lembrar que não há como fazer uso empírico dessas idéias, mas somente um uso transcendental, pois o fim essencial da metafísica é ultrapassar os limites da experiência.

        No processo de unificação das partes, a razão opera num todo antecipando o conhecimento propriamente dito, presidindo as partes desse conhecimento a uma totalidade que é a priori, fazendo das partes um todo, e assim gera um sistema de unidade.

        Em suma, embora Kant limite o entendimento ao uso empírico, afirmando que não posso conhecer através do puro pensar, ele pretende aí demarcar o âmbito do pensamento puro, pensamento indeterminado, não resumido à sensibilidade, pois sustenta que há um significado das categorias que está não na esfera da objetividade.

REFERÊNCIA

KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. Tradução de Valério Rodhen e Udo Baldur Moosburger. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1983. (Os Pensadores).

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